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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

ANTT pode mudar pontos do edital da maior licitação de serviços de ônibus do País

Mas as regras gerais propostas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres e o conceito da licitação não vão mudar, de acordo com Sônia Haddad, responsável pelo certame.

Washington Cora, diretor do Grupo Gontijo – São Geraldo diz que há alguns equívocos no dimensionamento do sistema pela ANTT, como a taxa de ocupação dos ônibus. Ele reclama do que considera pouca atuação da agência contra os transportes piratas. Foto Nicolle Fantinati


A ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres admite que alguns pontos da licitação das linhas interestaduais podem ser mudados depois das rodadas de audiências públicas com a sociedade e empresários do setor. Mas as mudanças devem ser específicas e no vão alterar a o modelo geral do certame. Foi o que disse Sonia Haddad, superintendente de serviços de transportes de passageiros da ANTT, à reportagem de Adamo Bazani nesta quinta-feira.

“As contribuições (até agora) vieram para o rearranjo de alguns lotes. Mas tudo implica estudo mais aprofundado, pois uma alteração pode influenciar em outro grupo operacional e eu tenho de trabalhar no sistema como um todo, não dá para trabalhar só com o equilíbrio econômico daquela intervenção solicitada. Tivemos contribuições que impactaram nesse rearranjo e vamos levar muitas delas em consideração, mas nada que mude a regra geral e o conceito que estamos trabalhando” – disse Sonia Haddad.

A maior licitação de serviços de ônibus do País ainda causa muitas dúvidas e posicionamentos contrários entre o Governo Federal e as empresas de ônibus. O ProPass Brasil – Projeto da Rede Nacional de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional de Passageiros – deve licitar 1 mil 967 linhas de ônibus que ligam diferentes estados e também as que fazem trajetos internacionais. A maior parte destas linhas opera em regime de permissão, o que contraria a Constituição Federal de 1988 que determina que serviços como de transportes sejam regidos por contratos de concessão com regras mais rígidas e maior segurança jurídica entre todas as partes.

Desde de o dia 31 de janeiro deste ano, a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, responsável pela licitação, realiza uma rodada de audiências públicas para receber sugestões e conhecer as necessidades dos operadores e passageiros de cada região.

Nesta quinta-feira, dia 16 de fevereiro de 2012, foi a vez de São Paulo ser palco da audiência pública da ANTT.


Era notório o clima de dúvidas e divergências em relação ao edital. Representantes de empresas de ônibus, de trabalhadores e de passageiros demonstravam diversas preocupações. Uma delas era em relação às empresas de ônibus de médio e pequeno portes. O edital divide o sistema de transportes interestaduais em 18 grupos com 60 lotes.

Para participarem da concorrência, as empresas terão de seguir uma série de exigências. Entre elas, para a capacitação técnica estão operação comprovada de 03 anos consecutivos, com frota mínima de 30 veículos e profissionais com no mínimo 90 dias de experiência. Além disso, a idade máxima dos ônibus tem de ser de 10 anos e a média de 05 anos.

Rodrigo Leite, da Levare Transportes, advogado especializado no setor, disse que há o risco de pequenas e médias empresas desaparecerem. “A pequena e a média empresa estão aquém do que o edital exige. Deve haver um tratamento diferenciado para estas companhias, até mesmo com base na lei que protege a micro e pequena empresa” – disse Rodrigo Leite.

A superintendente Sonia Haddad disse que as empresas de menor porte podem formar ou participar de consórcios para continuarem operando. “O que precisamos é de um sistema consistente, profissionalizado e moderno” – respondeu Sonia Haddad.

A diretora da ASATUR Transporte, Maria Helena Lima, diz que acredita que as micro e pequenas empresas podem ser excluídas do formato de licitação e aponta o que considerou um erro no edital em relação a região que opera.

“A ANTT tá licitando linha que não existe. Hoje, em estradas péssimas, como a BR 174, fazemos a ligação entre Boa Vista e Manaus. A ANTT propõe uma linha entre Boa Vista, Manaus, Porto Velho até Rio de Janeiro e São Paulo. Mas acontece que ficamos ilhados, não há estradas que liguem Boa Vista e Manaus aos outros trechos. As possibilidades adequadas de transportes são apenas por barco ou por aeronaves. A ANTT pediu que fizéssemos uma linha onde não há estrada. Além do mais, uma linha de mais de 6 mil quilômetros, contrariando o próprio edital que prevê linhas de até 3 mil quilômetros” – disse a empresária.

Sonia Haddad afirmou que o caso vai ser rearranjado, o que mostra a importância das audiências públicas. O temor de um suposto fim de várias empresas de ônibus de pequeno porte também representa medo de demissões do setor. “Essa questão dos consórcios é relativa. Quando as pequenas empresas logo não são extintas, em consórcio elas vão sendo sufocadas pelas maiores até desaparecerem. Aí, pode haver demissões com certeza. O que vai acontecer no período de transição de 05 meses (entre a divulgação dos vencedores e eles assumirem na prática)? Quem perder, neste período não vai se preocupar nem com manutenção, nem com regularidade e nem com o trabalhador” – questionou o representante da CNTT – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres, José Alves Couto Filho.

A superintende de transporte de passageiros da ANTT, Sonia Haddad, respondeu que o período de transição será acompanhado com preocupação pela agência. Fontes do setor estimaram que a licitação pode causar uma perda de 40 mil postos de trabalho, número contestado por Sonia Haddad.
“Nem eu e nem ninguém sabemos o impacto nos postos de trabalho. Isso porque não sabemos quem vai vencer a licitação. Mas tentamos direcionar para que tudo seja melhor para passageiros, trabalhadores e empresas” – respondeu a superintendente.

Mas não são apenas as pequenas operadoras de transportes que demonstram preocupação. Vários grupos de atuação nacional criticam alguns pontos do edital que deve trazer grandes impactos para o setor. Há divergências entre os números apresentados pela Agência e pelas empresas de ônibus.
“A ANTT entende que nossos ônibus correm com 80% de aproveitamento, sendo que na verdade, nossa taxa de ocupação (a média dos passageiros transportados pelos ônibus) é a metade disso” – disse à reportagem de Adamo Bazani, o diretor do grupo da Gontijo e São Geraldo, Washington Coura.
O executivo também disse que um dos pontos que mais prejudicam o setor de transportes têm sido ignorados pela ANTT: a pirataria nos serviços.

“É uma concorrência desleal. O clandestino não paga imposto, não paga taxa de embarque e nem pedágio muitas vezes. E não há só o problema do clandestino sem nenhum registro. Me refiro ao clandestino que ganha aval da ANTT. São ônibus que recebem autorização para operarem como fretamento, mas na prática, fazem linhas. Ficam parados em pontos conhecidos de todo o mundo, como o Brás, em São Paulo, recebendo passageiros como se fossem de linhas regulares, às quais não podem operar, mas acabam operando. Esse tipo de prática retira cerca de 40% de nossos passageiros. E o que a ANTT diz? Que transporte pirata é responsabilidade da polícia” – reclamou Washington Coura.

Na audiência pública, Sonia Haddad disse que clandestino autorizado “não é clandestino” e que a polícia também é responsável por acompanhar o transporte fora das normas. Sonia disse que o edital de licitação vai sim ajudar no problema pois vai permitir um monitoramento em tempo real do sistema, o que vai ajudar identificar as viagens legais e dimensionar melhor os serviços. “O clandestino não vai contar com o monitoramento. Assim, podemos saber, em caso de autuações, de maneira mais fácil quem está regular ou não” – explicou.

Washington disse que são necessárias mudanças no sistema de ônibus e que ouvir os empresários é essencial. “A ANTT está tendo muito boa vontade em nos ouvir. Mas temos experiência, são 70 anos de experiência que não podem ser desprezados. Um dos problemas é em relação a sinergia, a formação de lotes. Há linhas que são muito distantes uma das outras e que fazem parte do mesmo lote. Para operá-las, a mesma empresa ou consórcio terá de possui mais de uma garagem, percorrer maiores distâncias com ônibus vazios e isso não deixa o sistema viável” – explicou Washington.

MUDANÇA DE QUANTIDADE DE FROTA NÃO DEVE OCORRER:

Um dos maiores pontos de divergência entre empresários de ônibus e Governo Federal é em relação a quantidade de frota. A ANTT estabeleceu como suficiente uma frota de ônibus interestaduais em linhas acima de 75 quilômetros de extensão de 6 mil 152 ônibus em operação e 639 reservas. Os empresários dizem que o número é pequeno diante da realidade do setor e que seriam necessários no mínimo 10 mil ônibus, podendo haver falta de transporte inclusive em alta temporada, quando a procura pelos “ônibus de viagem” aumenta.

Sonia Haddad contesta a posição dos empresários. “A frota que calculamos é uma base para ter uma noção dos custos e das necessidades do sistema e se refere a realidade operacional. Há uma interpretação equivocada por parte dos empresários. Eles se referem à frota cadastrada, que é diferente da operante” – disse Sonia Haddad à reportagem de Adamo Bazani.

Os empresários temem que com a redução da frota as pessoas deixem de optar pelo ônibus, o que iria contra até aos esforços da ANTT que assiste a perda de demanda para o setor aéreo.

CONCORRÊNCIA E REDUÇÃO NO VALOR DAS PASSAGENS:

A ANTT promete criar maior concorrência entre as empresas de ônibus em linhas de alta demanda.
As empresas de ônibus dizem que o problema não é a concorrência em si, mas o dimensionamento que consideram errado do sistema. Assim, a ANTT, segundo as empresas, vai direcionar um edital em linhas onde não há espaço para operação de várias companhias.

Entre as linhas que devem registrar maior número de empresas e que transportam uma grande quantidade de passageiros estão, de acordo com os dados da ANTT:
- São Paulo – Rio de Janeiro: 1 milhão 471 mil 974 passageiros ou 2,93% do mercado.
- São Paulo – Rio de Janeiro – via Duque de Caxias (RJ): demanda de 825 mil 776 passageiros – 1,64% da demanda geral do mercado.
- São Paulo – Rio de Janeiro – via São Caetano do Sul (ABC Paulista – SP): demanda de 805 mil 776 passageiros, o que corresponde a 1,60% do mercado.
- Goiânia – Brasília: 352 mil usuários, 1,35% da demanda.

As empresas dizem que a taxa de ocupação dos ônibus nestas linhas foi superdimensionada e que não há espaço para concorrência. Sonia Haddad explicou a reportagem que a concorrência será apenas um dos benefícios para os passageiros: “A concorrência foi pensada no limite do mercado. E o que vai melhorar mesmo os serviços não vai ser somente a concorrência em si, mas uma série de fatores pensados no edital. Conseguimos reduzir o coeficiente tarifário (o valor das passagens) pela racionalização dos custos, evitando linhas sobrepostas, pelo melhor aproveitamento por parte das empresas das receitas extraordinárias (além das tarifas) e ganhos de escala e não pela redução da frota” – disse Sonia Haddad.

O sistema de ônibus, segundo a ANTT, deve contar com monitoramento por GPS, informações ao passageiro em tempo real e possibilidade de compra de passagens pela internet (o que só é praticado por empresas maiores) ou em terminais de auto-atendimento.

Mais audiências públicas devem ocorrer e esta fase de consulta deve ser encerrada em 09 de março. A expectativa é de publicação do edital no final de abril. As vencedoras devem ser conhecidas e homologadas até fevereiro de 2013 e em maio do mesmo ano, a transição para o novo modelo deve ser concluída.

“Por enquanto, o cronograma está sendo seguido” – disse Sonia. A licitação deveria ocorrer em 2008, mas na época, por inconsistência de dados sobre o sistema e rejeição dos operadores, o processo foi postergado. As empresas de ônibus dizem temer que licitação “desmantele” o sistema.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes.

Ônibus Brasil

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