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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

As aventuras da Marcopolo

Como Paulo Bellini transformou uma pequena oficina de caminhões de Caxias do Sul na maior fabricante de ônibus do planeta.

Créditos: Beto Riginik/Revista Época
Esta não é uma história de um garoto pobre que larga os estudos porque precisa trabalhar e ajudar a família. Paulo Bellini cursava administração de empresas em Porto Alegre quando foi acometido por uma comichão. Queria trabalhar. Estava achando muito esquisita aquela história de viver à custa da mesada do pai. Durante as férias, voltou para Caxias do Sul, sua cidade natal, decidido a largar a faculdade. Bellini tinha 22 anos quando se uniu a seus vizinhos, donos de uma oficina que consertava e pintava cabines de caminhão. Com a chegada de Bellini, em 1949, os irmãos Nicola – Dorval, Nelson, João e Doracy – ampliaram o negócio e começaram a produzir carrocerias de ônibus. Nascia a Carrocerias Nicola.

A produção era muito, mas muito rústica. A carroceria era toda feita de madeira (apenas o revestimento era de metal) e colocada sobre um chassi (armação de aço que serve de base para a carroceria) de caminhão, modificado para ficar com o jeitão de um ônibus. Cada estrutura dessas levava 90 dias para ficar pronta. Hoje, a empresa produz entre 130 e 140 unidades por dia. “O comprador da nossa primeira carroceria me ligou e disse: a peça ficou muito bonita, mas me manda 32 guarda-chuvas, porque quando chove entra água pelo teto do ônibus”, conta Bellini, 85 anos (mas, se dissesse ter 70, não daria para duvidar).

A Carrocerias Nicola já nasceu em crise. “Não tínhamos capital e banco nenhum nos emprestava dinheiro.” Apelaram para ciganos, como eram conhecidos os agiotas em Caxias. Bellini chegou a batizar o filho com o nome de um dos credores da empresa. Outro entrave dessa fase inicial, quando superado, transformou-se num diferencial competitivo da empresa. Como não existia chassi específico para ônibus, Bellini e seus sócios tiveram de desenvolver ferramentas para desmontar os caminhões e transformá-los em coletivos.

Esse conhecimento permitiu que, anos depois, a empresa produzisse as próprias poltronas, portas e janelas. A verticalização, hoje festejada, foi uma imposição daqueles tempos. Com ela foi possível desenvolver uma produção em larga escala e, ao mesmo tempo, customizada. Se o cliente queria uma janela redonda, em vez da tradicional quadrada, eles faziam. Se precisava de dois banheiros em vez de um só, dava-se um jeito.

O empurrão de JK
Nessa época, década de 50, a conjuntura jogou a favor da Carrocerias Nicola. Logo após a criação da empresa, o então presidente Juscelino Kubitschek lançou seu plano de metas, que pretendia fazer o Brasil crescer 50 anos em cinco. A base do plano era a expansão industrial e a integração do país. Para isso, foram construídas rodovias e a demanda por veículos capazes de transportar passageiros cresceu vertiginosamente.

O faturamento, no entanto, não crescia no mesmo ritmo das encomendas. Para produzir mais, Bellini precisava aumentar a capacidade de produção da fábrica. Continuava complicado conseguir crédito no mercado tradicional. Em 1954, ele e os Nicola abriram o capital da empresa para angariar recursos. Bolsa de valores? Não, bolso dos conhecidos. Bellini e Dorval Nicola saíam de pastinha na mão em busca de novos sócios: familiares, amigos, amigos dos amigos. “Teve gente que comprou participação na empresa pagando em 12 vezes sem juros”, diz Bellini. Com o dinheiro, os sócios trocaram o barracão onde funcionava a empresa por uma fábrica de 3 mil metros quadrados, em funcionamento até hoje.

A capitalização amadora oxigenou a empresa e tornou possível olhar para fora do Brasil. Em 1961, a Carrocerias Nicola fez sua primeira exportação. De poltrona em poltrona, de ônibus em ônibus, a companhia foi ganhando clientes por todo o Brasil e pela América Latina. Até que, em 1968, Dorval Nicola, o único vizinho que permanecia na sociedade, deixou a empresa para trabalhar com seus irmãos na Furcare, concorrente da Nicola. Foi um baque.

Desesperar jamaisComo boa parte dos clientes havia sido conquistada por Dorval, Bellini precisou contratar um novo time para sair à caça de encomendas. Foi nessa época que Valter Gomes Pinto (hoje sócio da Marcopolo) e José Fernandes Martins (atual vice-presidente corporativo) chegaram à empresa. Foi também quando o nome Carrocerias Nicola deu lugar a Marcopolo, inspirado no explorador e viajante veneziano Marco Polo.

Anos mais tarde, um novo baque. A crise dos anos 80 acertou em cheio a operação da companhia. Entre 1981 e 1983, a produção caiu pela metade e a empresa fechou fábricas em Porto Alegre e Betim (Minas Gerais). Desanimados com a situação brasileira, Bellini e o diretor industrial foram conhecer o modo de produção dos japoneses. E lá foram fazer jus àquele ditado do limão e da limonada. No fim de 1986 visitaram diferentes empresas no Japão, todas com o sistema Toyota de produção: funcional, eficiente e pouco burocrático – ideal para a fabricação de pequenos lotes de produtos personalizados. Para Bellini, aquela foi a viagem da vida da Marcopolo.

 Créditos: Acervo Digital do Diário de Pernambuco

1987 foi o ano da virada. Com a adoção das práticas japonesas, a empresa ficou menos formal, menos hierárquica. Os funcionários, mais motivados, participativos e criativos. “Aprendemos a dar autonomia e responsabilidade às pessoas”, diz Bellini. Quatro anos depois, em 1991, o processo de profissionalização foi intensificado. Com a ajuda de uma consultoria, a Marcopolo contratou executivos do mercado, como José Rubens de la Rosa, atual presidente, e passou a traçar planejamentos estratégicos de curto, médio e longo prazos. A preocupação em planejar o futuro dos negócios tem permitido que a Marcopolo saia quase ilesa de períodos de turbulência. Em 2008, quando a crise da economia americana foi deflagrada e, a partir daí, uma enxurrada de problemas tomou conta das economias de países europeus, a Marcopolo tinha quase dois terços de sua receita atrelada a clientes internacionais.

Mesmo com a demanda em queda a empresa seguiu investindo. Dois anos depois, a decisão se mostrou acertada. A economia mundial não se recuperou, mas a demanda brasileira cresceu num ritmo que ajudou a compensar essa fraqueza. Desde o ano passado, as vendas externas voltaram a crescer. Neste ano, entre janeiro e setembro, a receita líquida da companhia avançou 14% (para efeito de comparação, a economia do Brasil não deve crescer mais de 1%). O lucro, no entanto, está em queda. O movimento deve ser passageiro. As ações da Marcopolo estão entre as preferidas por analistas de mercado para 2013. Paulo Bellini é otimista: “Eu só vejo coisas boas no nosso caminho”.


Revista Época

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