Os transportes urbanos brasileiros, para o cidadão, há muito tempo carecem de mudanças que acompanhem o crescimento populacional das cidades e as novas dinâmicas econômicas. As indústrias deixaram de ser atividades predominantes abrindo espaço para o setor de comércio e serviços. Se as indústrias tinham os turnos de trabalho que concentravam número maior de pessoas na cidade nos horários próximos aos da entrada e da saída dos operários, com o setor de serviços é diferente. Os deslocamentos nas cidades são praticamente o dia todo e, apesar de ainda existir, o chamado horário de pico não se difere em muito dos demais horários das cidades, com exceção (AINDA) da madrugada, que já está mais agitada.Mas as autoridades, principalmente federais, precisaram que a Fifa escolhesse o Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014 para fazerem algo em relação à mobilidade das cidades. E detalhe, mais efetivamente nas cidades-sede do mundial e nas vizinhas. Neste momento que, mais por causa da Copa do Mundo, que das necessidades reais da população, as atenções se voltam para a mobilidade urbana, surgem acaloradas discussões sobre quais são os melhores sistemas de transportes de média capacidade: o BRT (corredores de ônibus segregados e modernos) ou VLT (veículos sobre trilhos que a exemplo do BRT são de média capacidade e modernos).
Nestas discussões não entra apenas a questão técnica, já que cada realidade de demanda de passageiros (quantidade e comportamento), das condições geográficas e da quantidade de recursos disponíveis para investimento devem ser determinantes para a escolha dos modais. De forma errônea, interesses em promover uma imagem política (de ser o administrador inovador a qualquer custo), interesses econômicos (a queda de braço entre a indústria ferroviária e o setor de ônibus, incentivada pelas construtoras) e até mesmo a paixão de muitos, uns pelos trilhos outros pelos ônibus, que acabam se distanciando da razão e até do respeito uns para os outros, acabam abafando os pontos técnicos do assunto.
Mas afinal, qual é o mais adequado para a realidade brasileira. Os ônibus modernos ou os bondes modernos? O Portal da Copa fez a pergunta para quatro especialistas, que de maneira isenta levantaram pontos positivos e negativos de cada um.
Capacidade de Transportes, Custos, Emissão de Poluentes, Impacto Ambiental e Desapropriações, Integração e Imagem e Requalificação das cidades foram alguns dos fatores analisados por Otávio Cunha (presidente executivo da NTU – Associação Nacional dos Transportes Urbanos), Marcos Antônio Nunes Rodrigues (professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia UFBA), Renato Anelli (professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – USP – de São Carlos) , Marcos Bicalho (presidente da Associação Nacional dos Transportes Públicos – ANTP) e Creso de Franco Peixoto, mestre em transportes e professor da FEI – Faculdade Educacional Inaciana. Eles afirmaram que BRT de verdade, o Brasil só tem três: Curitiba (Paraná), Uberlândia (Minas Gerais) e Goiânia (Goiânia). O VLT do Cariri foi considerado uma ABERRAÇÃO.
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Conheça as características e vantagens de cada um dos modos de transporte
Portal da Copa
Com os projetos de mobilidade propostos para a Copa de 2014, dois modos de transporte coletivo foram alçados ao centro da polêmica sobre o melhor transporte público para as cidades: o Bus Rapid Transit (BRT) ou o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
Quatro especialistas foram ouvidos para explicar o que existe além da diferença básica entre as duas siglas, e em que condições um meio de transporte pode se adequar mais ou menos às necessidades de uma cidade.
“O BRT nasceu de uma concepção brasileira do arquiteto e urbanista Jaime Lerner [ex-prefeito de Curitiba], que o implantou em Curitiba e Goiânia. Ele se inspirou na qualidade, na eficiência, na segurança do metrô”, explica o engenheiro Otávio Cunha, presidente executivo da NTU (Associação Nacional dos Transportes Urbanos). “Trata-se, basicamente, de um sistema de ônibus biarticulados que rodam em canaleta exclusiva”, completa Marcos Antônio Nunes Rodrigues, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
E por que o BRT é diferente do sistema de ônibus convencional? Cunha explica: “O BRT precisa ter a via segregada, exclusiva; garantir o embarque e desembarque em nível na plataforma; apresentar velocidade comercial elevada; assegurar o pagamento antecipado da passagem e providenciar informações aos usuários através da central de controle operacional”, resume, elencando os requisitos básicos para que um corredor de ônibus possa ser classificado como um legítimo Bus Rapid Transit. “A rigor, no Brasil, só existem três BRTs: em Curitiba (PR), Uberlândia (MG) e Goiânia (GO).”
E se o BRT é uma versão mais rápida do ônibus convencional, o VLT, por sua vez, pode ser considerado um primo distante do metrô pesado. Nas definições do consultor e especialista em transporte metroferroviário Peter Alouche, ”o VLT é um transporte sobre trilhos de média capacidade que não tem a via totalmente segregada”.
Este sistema sobre trilhos remonta às características dos antigos bondes, que circularam nas cidades brasileiras até os anos 1960.”O bonde ressurge com nova tecnologia, que permitiu veículos mais leves, econômicos e silenciosos”, explica o arquiteto e professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, Renato Anelli. “O Veículo Leve sobre Trilhos é uma solução de menor impacto na cidade, em projetos de vias feitos com mais cuidado.”
Média capacidade
BRT e VLT são modos de transporte que atendem a uma demanda intermediária. Ou seja, operam com 10 a 30 mil passageiros por hora e sentido. Isso representa mais do que os ônibus convencionais e menos do que o metrô pesado. Mesmo em se tratando de dois modos de média capacidade, cada transporte tem seus pontos fortes e fracos. Para facilitar esse entendimento, dividimos a comparação em seis tópicos:
1. Custo
Para o superintendente da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), Marcos Bicalho, o “BRT é mais barato e sua implantação mais rápida”. É que a expertise para criar os corredores, explica, já é familiar para o brasileiro e as fabricantes dos veículos estão todas instaladas no país, não havendo necessidade de importar os ônibus.
De acordo com estudo de Peter Alouche, o custo do BRT é de R$ 30 milhões por quilômetro, enquanto o do VLT chega a R$ 60 milhões por quilômetro de trilho. A diferença se fez notar em Cuiabá, onde o valor estimado para a implantação do BRT, primeiro projeto de mobilidade escolhido para a Copa do Mundo era da ordem de R$ 435 milhões. Em 2011, as autoridades decidiram trocar os corredores de ônibus pelo VLT, elavando o valor para R$ 1,2 bilhão, quase três vezes mais que as linhas de ônibus.
A implantação de um BRT também é mais simples e menos demorada, conforme explica o presidente da NTU, Otávio Cunha. “Você faz um corredor de BRT em dois anos e meio, entre projeto básico, executivo e a implantação”, afirma, para depois acrescentar que “um VLT não se faz em menos de 6 anos”.
2. Emissão de poluentes
Quando o assunto é a emissão de poluentes e o uso de energia limpa, o VLT leva vantagem porque “polui zero”, explica Cunha. “Por ser tração elétrica, a poluição é muito pequena.” Os BRTs, por sua vez, operam com diesel e emitem poluentes.
No Brasil, porém, um sistema pioneiro de VLT vem se consolidando no estado do Ceará com um tipo energético diferente. A Bom Sinal, também fabricante de carteiras escolares, foi a empresa responsável pelos veículos do “Metrô do Cariri”, como é chamado o sistema de VLT que liga as cidades de Crato a Juazeiro do Norte. Apesar do empreendedorismo, os VLTs da Bom Sinal não seguem o conceito de metrô leve europeu: os trens cearenses utilizam eletrodiesel, e não tração elétrica.
Nem todos concordam. “No Ceará estão fazendo uma aberração”, reclama Otávio Cunha. “É um contrassenso, porque são equipamentos altamente poluentes.” Para o engenheiro civil, mestre em transportes públicos e professor da Fundação Educacional Inaciana (FEI), Creso de Franco Peixoto, o problema não é apenas a poluição. “As locomotivas a diesel geram curvas de ruídos que impactam lateralmente. Então você teria que ter muros protetores”, diz.
3. Impacto ambiental e desapropriações
Segundo Otávio Cunha, “o espaço ocupado por um VLT e por um BRT é rigorosamente o mesmo, em termos de largura da via”. Mas do ponto de vista do impacto ambiental, Peixoto argumenta que “o VLT pede muitas vezes a construção de viadutos e elevados, enquanto o BRT, por ser feito em cima da via, tende a trazer impacto menor no ambiente urbano”.
Quanto às desapropriações, técnicos do governo do Mato Grosso argumentaram que em Cuiabá o metrô de superfície ocupará faixa mais estreita na via do que um corredor de ônibus, o que demandaria percentual 60% menor de desapropriações do que o BRT.
4. Capacidade de passageiros
Apesar de um VLT ser maior do que um ônibus, sendo capaz de transportar mais de 400 pessoas em uma única viagem – enquanto um ônibus articulado transporta aproximadamente 270 –, mesmo assim o BRT acaba levando vantagem pela versatilidade na hora da frenagem e ultrapassagem.
“Hoje, com os controles que se têm, pode-se operar um corredor de ônibus em maior frequência, colocando veículos de 15 em 15 segundos”, explica Otávio Cunha. “No VLT, isso já não é possível. O tempo de frenagem é demorado e ele é muito pesado. Até parar e arrancar, ele precisa de pelo menos 3 ou 4 minutos entre uma composição e outra.”
Em quantidade de passageiros transportados por hora e por sentido, o VLT opera com 35 mil usuários por hora e sentido. Um BRT, no entanto, pode superar os 45 mil passageiros/sentido, “marca que poucos metrôs do mundo alcançam”, lembra Cunha.
Para o professor da UFBA, Marcos Rodrigues, no entanto, os dois modos se equivalem quando o assunto é capacidade de transporte. “Tudo depende da quantidade de paradas. Um BRT pode até transportar mais, se for biarticulado. Mas o VLT pode agregar vagões de acordo com a sua necessidade”, afirma.
5. Integração
Para o superintendente da ANTP, “o ideal é ter uma rede de transporte coletivo que opere de maneira articulada“, ensina Bicalho. E, no quesito integração com outros modais, em especial o metrô pesado, o VLT supera o BRT com larga vantagem, garante Creso Peixoto: “O VLT integra melhor com o metrô”, comenta, usando o exemplo de cidades como Londres, Madri e Bruxelas, onde as composições de VLT se confundem com a malha do metrô assim que se aproximam do centro.
6. Imagem e requalificação da cidade
Apesar de, em muitos casos, operar com veículos articulados ou biarticulados, o BRT não beneficia a imagem da cidade como acontece com o VLT. Segundo o professor da UFBA, Marcos Rodrigues, “a imagem da cidade melhora de qualidade com o VLT – passa a ser positiva, mais dinâmica, moderna. E tira muito mais pessoas do carro do que o ônibus, mesmo um BRT”, afirma.
Ele observa que “um veículo sobre trilho tem a capacidade de, a longo prazo, estruturar mais e melhor a cidade, e também articular o espaço físico mais do que um sistema sobre pneus”. Marcos Bicalho tem opinião semelhante. O superintendente da ANTP reforça a importância do VLT para o que ele chama de “requalificação urbanística” de uma grande cidade. “Os modos ferroviários têm alguns apelos importantes do ponto de vista de operação e urbanismo, como a requalificação urbanística.”
Noves fora, o equilíbrio na comparação dos especialistas entre os dois modos – VLT e BRT – mostra que o importante é reforçar o apelo do transporte público coletivo sobre o transporte particular. “Os ideais são importantes porque, afinal de contas, é dinheiro que sai do bolso do contribuinte”, lembra Creso Peixoto.
Texto inicial: Adamo Bazani
Texto da matéria: Portal da Copa, originalmente publicado no portal Mobilize Brasil
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