Valores se referem a obras financiadas pelo governo brasileiro nos países latino americanos
Créditos: Ônibus Brasil/Acervo
Desde 2003, o Brasil financiou US$ 5,3 bilhões em obras como corredores de ônibus, hidrelétricas, portos e estradas pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Os dados são do próprio banco criado para incentivar o crescimento do País.
Mas você que anda de ônibus os dias, lotados e que não recebem a menor prioridade no espaço urbano, apesar de transportarem muito mais pessoas que os carros de passeio e ocupando área menor, poder se perguntar. Mas onde está este dinheiro? Onde está o corredor para que o ônibus onde estou possa fazer uma viagem mais rápida, com menos custo e mais confortável?
Pergunta semelhante pode ser feita, por exemplo, pelo cidadão que utiliza estradas esburacadas, mal sinalizadas e que também não deixam de ser o motivo de a passagem de ônibus rodoviário não ser menor. Afinal, o custo de manutenção mais elevado por causa de estradas mal conservadas influencia diretamente no valor das passagens de ônibus.
Pois é, você passageiro, motorista, leitor e eleitor, não vai ver mesmo os benefícios diretos deste dinheiro. Pelo menos não por aqui. É que todo esse recurso foi aplicado pelo governo brasileiro em forma de empréstimos, alguns mais camaradas que para municípios, para os países da América Latina.
É a política da boa vizinha. Mas qual o custo e o benefício disso?
Gratidão que não é.
De acordo com o jornal Dia Dia, os vizinhos que recebem ajuda brasileira em problemas que o país carece de investimento, ainda criticam quando o BNDES não libera mais dinheiro e chegam chamar a postura do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social de Imperialismo Brasileiro.
E muitas vezes, as obras financiadas pelo dinheiro dos brasileiros esbarram em problemas locais e os recursos ficam com a aplicação incerta. Foi o caso recente da suspensão da construção da estrada de Villa Tunari, na Bolívia, que foi bancada diretamente pelo BNDES.
Há menos de dois meses, o ministro de Setores Estratégicos do Equador, Jorge Glass, veio ao Brasil pedir do BNDES US$ 30 bilhões para obras de infraestrutura em seu país. O mesmo Jorge Glass que em 2008, disse que o BNDES tinha “vícios de ilegalidade”. Na ocasião, o presidente do Equador, Rafael Correa, questionou o BNDES na Corte Internacional de Comércio que exigia o pagamento de um empréstimo de US$ 243 milhões para a construção da Usina de San Francisco.
Em 2006, Evo Morales, na Bolívia decidiu suspender o contrato que o país tinha com a Petrobrás e nacionalizar um patrimônio que de fato foi feito com dinheiro brasileiro. A crise só não ficou pior por conta de muitas negociações.
FINS ELEITOREIROS
Não são apenas os governos locais que gostam de fazer festa e promessa com o dinheiro do povo brasileiro em época de eleições. Em 2008, na corrida presidencial pelo Paraguai, Fernando Lugo, prometeu que o Brasil pagaria mais pela energia paraguaia de Itaipu e se caso os brasileiros se recusassem a bancar o aumento, venderia a parte do Paraguai para Argentina, Chile ou outros interessados.
Há três meses o caso teve solução. Para o Paraguai, é claro, já que o Brasil acabou aceitando, pelo Congresso Nacional, pagar o reajuste pelo excedente da energia paraguaia. Mesmo assim, Lugo ainda continua com as ameaças de vendê-la para outros países da América Latina.
De acordo com a reportagem, desde a gestão de Lula, o Brasil tem sido conivente e condescendente com a postura dos vizinhos: “ Desde o governo Lula, no entanto, a visão da diplomacia brasileira é de ser condescendente com os arroubos dos vizinhos, especialmente em épocas eleitorais. O Itamaraty sabe que, envolvidos em disputas locais, presidentes e candidatos tendem a usar o vizinho rico como saco de pancadas.
No entanto, segundo disse ao Estado um diplomata brasileiro, a enorme diferença econômica entre o Brasil e os demais países da região justifica a boa vontade de Brasília – desde que não passe de alguns limites, como foi o caso do Equador.
O embaixador equatoriano no Brasil, Horácio Sevilla Borja, reconhece que a crise não foi boa para seu governo. “Foram anos desperdiçados”, disse. “Nós não estávamos satisfeitos com esse afastamento. Estamos muito felizes com o fato de a Câmara de Comércio Exterior ter aprovado a retomada de operações.” Com isso, o governo de Correa já conta com dinheiro brasileiro para mais quatro obras até o fim deste ano e pelo menos três para o ano que vem. ”
E NÓS?
Enquanto mais de US$ 5 bilhões garantem mais transporte, corredores de ônibus e energia para nossos vizinhos, conseguir financiamento para as mesmas obras no Brasil não é tarefa fácil. Não é segredo para ninguém que os estados e municípios vivem anos de atrasos quando o assunto é mobilidade, transportes. Uma cidade como São Paulo tem pouco mais de 70 quilômetros de metrô. Corredores de ônibus, tipo BRT (Bus Rapid Transit), segregados que oferecem velocidade ao sistema e conforto ao passageiro são anseios da população, como revelam pesquisas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), da ONG Rede Nossa São Paulo e do Mobilize.
São anseios porque os corredores ainda estão em número insuficientes frente ao crescimento populacional e das necessidades de deslocamentos em grandes cidades, como São Paulo. As médias e pequenas também sofrem pela falta de estrutura e oferta de transportes modernos e ágeis.
Para a Mobilidade no Brasil entrar na Ordem do Dia foi necessário a Fifa escolher o país como sede da Copa do Mundo de 2014 e o Comitê Olímpico Internacional selecionar o Rio de Janeiro como palco dos jogos de 2016.
Surgiu então o PAC da Mobilidade. São R$ 18 bilhões para as cidades sede e municípios de regiões metropolitanas que possuam cada um mais de 700 mil habitantes. Um avanço, mas uma medida incompleta que não leva em conta os aspectos regionais. Exemplo do ABC Paulista. Na região, apenas São Bernardo do Campo tem mais de 700 mil habitantes e só ele vai receber os financiamentos. Ocorre que o ABC é extremamente ligado. Assim, não basta fazer obras de transportes em São Bernardo do Campo sem pensar em Santo André, Diadema, São Caetano do Sul, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
O fluxo de pessoas entre os municípios é muito grande sendo o transporte intermunicipal tão importante quanto o local. No PAC 2, o governo federal promete mais R$ 24 bilhões para a Mobilidade. Ah se não fosse a Copa hein? Com certeza o Metrô continuaria com suas tímidas malhas nas cidades onde ele existe e os ônibus seriam ainda veículos antigos e quadradões (bem longe dos modelos Viale BRT ou Mega BRT) sem receber prioridade no meio do trânsito de milhares de carros novos que entram nas ruas por dia.
È certo que o brasileiro precisa de mobilidade independentemente de haver um mundial de futebol. Mas a oportunidade não é das piores. A pergunta é: e depois da Copa e das Olimpíadas, tudo vai parar como antes? Quanto aos nossos vizinhos de continente, é claro que um bom relacionamento comercial é importante e financiar o desenvolvimento do país próximo é pensar numa necessária integração regional.
Mas antes, com o dinheiro brasileiro, deve ser dada prioridade às necessidades do povo brasileiro. E mais uma coisa: nossos vizinhos poderiam ser um pouquinho mais agradecidos.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes.
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