Fotocópias coloridas, cartão de crédito e até uma fatura vermelha tem servido de arma para golpe no sistema de transporte público.
Créditos: Helia Scheppa/JC Imagem
A omissão do poder público tem alimentado um monstro no setor de transporte público da Região Metropolitana do Recife. A cada dia aumenta o número de pessoas usufruindo ilegalmente da gratuidade dos deficientes nos coletivos e, consequentemente, no metrô. O uso indevido das carteiras de livre acesso (destinada a pessoas com algum tipo de deficiência) não é novidade, mas agora parece ter ultrapassando todos os limites, beirando o imoral. Estimulados pela ausência de fiscalização do governo do Estado, os fraudadores perderam a vergonha e fazem uso de falsificações grosseiras, quase sempre simples cópias, muitas vezes absurdos como cartões de crédito vermelhos, papeis coloridos e até embalagem do cigarro Hollywood. Uma imoralidade que parece não incomodar o Estado, gestor do sistema de transporte, e que gera, por baixo, um prejuízo de R$ 840 mil por dia em passagens que deixam de ser pagas, considerando que 90% das fraudes são com as carteiras vermelhas, que dão direito a acompanhante.
Esse prejuízo foi calculado a partir das apreensões de carteiras de livre acesso realizadas pelos empresários de ônibus nos 20 dias úteis do mês de maio, em variadas linhas do sistema de transporte da RMR e em alguns horários fora pico. Elas dão a dimensão do monstro: 504 carteiras falsas utilizadas em corredores não só da periferia, mas de bairros de classe média, como as Avenidas Rosa e Silva e Rui Barbosa (Zona Norte da Capital) e Conselheiro Aguiar e Domingos Ferreira (Zona Sul). E mais: documentos com a identificação masculina, mas associados a fotografias de mulheres e vice-versa. A fiscalização mais uma vez foi realizada pelo Urbana-PE, o sindicato das empresas de ônibus. Nos últimos anos, aliás, as poucas blitzes para coibir fraudes do tipo sempre são feitas pelos empresários. A presença do Grande Recife Consórcio de Transporte raramente é vista nos coletivos, segundo motoristas, cobradores e empresas.
A fraude no transporte público é perversa. Além de imoral e criminosa, é cruel porque pesa no bolso da população que paga a tarifa de fato, seja integral ou não. Muita gente acha que a conta vai para o empresariado ou o Estado, mas está enganado. O prejuízo de R$ 840 mil por dia é bancado pela população que mais tem dificuldade de pagar a passagem por ser autônomo ou estar desempregado. “Esse conta é muito maior porque o cálculo que fizemos considerou apenas o universo das carteiras falsas que apreendemos. Ele é apenas uma amostra do que está acontecendo no sistema, sem que o governo do Estado nada faça. É um crime sem consequências. Enviamos todo o material apreendido para o Grande Recife Consórcio de Transporte, mas nada acontece. Não há fiscalização nem campanhas educativas”, critica João Tércio, consultor do Urbana-PE.
As falsas carteiras, segundo comenta-se no setor, são vendidas por R$ 30 (azul) e R$ 50 (vermelha) na Bomba do Hemetério, no Centro do Recife e em Peixinhos, Olinda. Os fraudadores são reconhecidos porque mostram as carteiras rapidamente aos motoristas, sempre com a mão encobrindo o documento. Com a determinação do Grande Recife para liberar a porta traseira quando os assentos da gratuidade estiverem ocupados, as fraudes aumentaram ainda mais. A solução para reduzir sensivelmente as fraudes existe e foi uma das promessas do início da gestão do governador Eduardo Campos – a inclusão de todo tipo de gratuidade na bilhetagem eletrônica. Mas a promessa não virou realidade. “A bilhetagem já ajudaria muito. Mas o ideal seria que ela viesse associada à biometria. Só que não temos qualquer previsão”, reconhece João Tércio.
GRANDE RECIFE RECONHECE QUE NÃO FISCALIZA
O Grande Recife Consórcio de Transportes reconhece sua fraqueza diante da farra das carteiras de livre acesso no sistema de transporte público da RMR. Admite que não fiscaliza porque não tem recursos para bancar a fiscalização e porque o custo-benefício não compensa. Promete, entretanto, agir em breve.
Nelson Menezes, presidente do órgão, diz que prefere cortar o mal pela raiz a fazer fiscalização linha por linha – o que não resolveria o problema, na avaliação dele. “Sabemos que a inclusão da gratuidade na bilhetagem eletrônica foi prometida e que não cumprimos. Mas estamos perto de implantá-la. Enfrentamos dificuldades e a lei que define o VEM de Livre Acesso só foi sancionada no início do ano. Com ele os beneficiados terão que passar na catraca dos ônibus, inibindo as fraudes”, disse.
A data de quando o VEM de Livre Acesso entrará em vigor – o que interessa – não foi dita. Para tentar intimidar os fraudadores Menezes informou que no próximo mês lançará cinco fiscais para realizar abordagens nos coletivos. A fraude é crime com pena de um a cinco anos de prisão.
JC Online
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