sábado, 4 de agosto de 2012

Um novo começo para o transporte público do Recife


Há quase três décadas o Recife desenhava a sua malha viária metropolitana com sete vias radiais e quatro corredores perimetrais. Os nomes podem até parecer estranhos, mas basta entender que a malha viária foi pensada como um leque com as vias perimetrais (horizontais) fazendo interseção com as vias radiais (verticais) formando uma rede. Foi assim que teve início a lógica do transporte metropolitano da cidade numa rede estruturada para vinte e três terminais e absorvendo o transporte dos 14 municípios da Região Metropolitana do Recife (RMR). O conceito foi plantado em 1985 e é hoje um dos maiores trunfos para a melhoria do transporte público na cidade.

Não por acaso, o Recife é uma das raras metrópoles do país que dispõe de um sistema metropolitano integrado, onde o usuário se desloca dentro do sistema com apenas uma passagem. "O SEI é invejado por muitas cidades", assegura o presidente do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano, Nelson Menezes. A empresa é responsável por gerir o transporte metropolitano e dos municípios consorciados. Apesar disso, a capital pernambucana ainda não é referência em transporte público e é fácil entender a razão. A maior parte das intervenções planejadas para o SEI não saiu do papel. O maior avanço foi em relação a construção de terminais de integração. Dos 23 terminais previstos, sete foram construídos na década de 1990 e outros sete foram entregues entre 2002 e 2012. E até 2014, o sistema irá dispor de 25 terminais de integração, dois a mais do que estava previsto.

Enquanto os terminais estavam sendo construídos, o sistema viário que possibilitaria um deslocamento mais rápido e eficiente dos coletivos nas radiais e perimetrais foi deixado para trás. Das quatro perimetrais planejadas, dispomos apenas da primeira: a Avenida Agamenon Magalhães, que foi inaugurada no final da década de 1960. As outras três perimetrais estão incluídas no PAC Mobilidade, que tem prazo de execução até 2016.

Nas radiais a situação é menos crítica. Das sete, duas foram contempladas com as linhas Centro e Sul do metrô, as avenidas Mascarenhas de Morais e José Rufino. Duas já funcionavam com corredores exclusivos: a PE-15 e a Avenida Caxangá, que estão incluídas respectivamente nos corredores Norte/Sul e Leste/Oeste. As duas vias estão recebendo um novo formato para se adequar aos moldes do BRT (sigla inglesa para Transporte Rápido por Ônibus). A radial da Avenida Presidente Kennedy, em Olinda, está em obras para dispor de um corredor de ônibus. Estão de fora, por enquanto, as avenidas Norte e Abdias de Carvalho, que também são radiais. "A gente está com a faca e o queijo na mão. Agora é a vez de apostar nos corredores e não parar ", ressaltou a engenheira Regilma Souza, que participou da criação do SEI.

O intervalo longo entre o que foi planejado e o que ainda falta ser executado afeta diretamente quem está na ponta do sistema: o usuário.

Por uma melhor integração

Terminal Integrado Pelópidas Silveira é o maior da RMR. Creditos: Diário de Pernambuco/Acervo

Com uma frota de três mil ônibus, o Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP) da RMR transporta por dia dois milhões de usuários. Desses, 800 mil estão na rede integrada, o que significa 40% do total de usuários. O percentual ainda é muito pouco se levarmos em conta a dimensão e importância da malha idealizada para a integração. Uma das razões é justamente a demora na implantação efetiva do Sistema Estrutural Integrado (SEI).

Quando o SEI estiver operando com todos os terminais, a estimativa é duplicar o número de usuários integrados. Para se ter uma ideia, em Curitiba com uma frota de 1,9 mil ônibus, o número de passageiros transportados chega a 2,3 milhões por dia com 95% do sistema integrado. O que reforça um maior grau de eficiência no sistema. é o número de viagens realizadas por dia. Um exemplo emblemático de um sistema ainda travado é o de Belo Horizonte com Além de conforto, eficiência e regularidade nos deslocamentos, outro desafio para melhorar a integração é a acessibilidade dos terminais para pedestres, ciclistas e motoristas. "Tem que facilitar a entrada do usuário. As calçadas precisam dispor de acessibilidade, boa iluminação no entorno, segurança e estacionamento para bicicletas, carros e motos", ressaltou o coordenador regional da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP), César Cavalcanti.

A transformação pelos corredores de tráfego

 Construção de uma das estações do corredor Leste/Oeste na Avenida Caxangá. Créditos: Diário de Pernambuco/Acervo

Curitiba, a metrópole brasileira que é referência no sistema de transporte público em corredores exclusivos de ônibus nos moldes do BRT (sigla inglesa para Transporte Rápido por Ônibus), dispõe de 90 quilômetros de corredores. A capital pernambucana demorou a tomar a iniciativa, mas além dos quase 60 quilômetros de corredores já em obras, incluindo o Norte/Sul, Leste/Oeste e o ramal da Cidade da Copa, há ainda 40 km que farão parte dos corredores exclusivos da 4ª perimetral com 30 km e 10km da continuação da 2ª perimetral, que receberá o nome de Via Metropolitana Norte.


Entre as avenidas que já começaram a mudar a configuração urbana e viária está a Caxangá, uma das sete radiais que integram o Sistema Estrutural Integrado (SEI). Embora ela já funcionasse como um corredor exclusivo de ônibus, está passando por uma transformação para fazer parte do corredor Leste/Oeste. A via está sendo readequada para receber o modelo do BRT com estações em nível e pagamento antecipado. A expectativa é de ampliar a capacidade do corredor e diminuir o tempo de deslocamento em cerca de 30 minutos por sentido, o equivalente a um dia por um mês. Mas ao contrário do que chegou a ser anunciado, o Leste/Oeste não chegará até o centro da cidade, nesta primeira etapa. Serão 12 km entre a Estação Timbi, em São Lourenço da Mata, até o Derby, onde terá que ser feito o transbordo.

Já o Norte/Sul é ó unico corredor, que terá, por enquanto, comunicação com o centro da cidade. O ramal da Avenida Cruz Cabugá tem o seu ponto de retorno na Estação Central do Metrô Recife, onde o usuário poderá fazer a integração com o metrô ou com as embarcações do corredor hidroviário do eixo Oeste. Da Cruz Cabugá até o metrô, o ônibus terá que entrar no tráfego misto e haverá poucas opções de estações para o usuário. Estão previstas estações do BRT na Rua do Sol, nas imediações da Praça da República e no Cais do Apolo para o retorno dos ônibus sentido Avenida Norte. "O fato do BRT se misturar ao tráfego misto em um determinados trechos não é nenhuma tragédia. Há mais ganhos do que perdas", revelou o engenheiro e consultor em mobilidade urbana, Germano Travassos. Já o ramal da Avenida Agamenon Magalhães irá até o Terminal Integrado Joana Bezerra. Quem quiser seguir no sentido Sul, poderá continuar a viagem de metrô até Jaboatão dos Guararapes e de lá pegar o VLT (Veículo Leve sobre Trilho) até o Cabo de Santo de Agostinho, com uma única passagem.

As obras dos corredores das perimetrais ainda não foram iniciadas. A 2ª e 3ª perimetrais serão executadas pelo município. Já a 4ª perimetral será executada pelo estado. As três com recursos do PAC Mobilidade. As perimetrais não fazem parte da agenda da Copa de 2014. Elas só não podem ser ignoradas como foram até agora.

 

A era dos bondes na cidade

No momento em que o sistema de transporte da cidade e região metropolitana está sendo redesenhado pelos corredores exclusivos de ônibus é bom lembrar a importância que o modelo ferroviário teve e pode voltar a ter. O Recife já foi movido por bondes e tinha um sistema bastante eficiente com 141 quilômetros de rede. Já o metrô dispõe atualmente de 39,5 km de extensão. O mapa das linhas férreas dos bondes ligava a cidade de Norte a Sul e de Leste a Oeste. "O bonde funcionou 100% bem até concorrer com o automóvel", revelou o arquiteto e urbanista José Luiz da Mota Menezes.

Segundo ele, o bonde tinha uma velocidade de 40km/h e era pontual. "Os bondes elétricos trafegavam sem parar até chegar ao terminal. Todo mundo sabia a hora de chegada e saída", lembrou Menezes. A velocidade é pelo menos 10km/h a mais do que se espera para os ônibus nos corredores exclusivos.


Hoje com uma frota de quase 600 mil veículos só na capital e mais de 1 milhão na Região Metropolitana, os bondes talvez fossem atropelados. "O duelo entre o bonde e o automóvel derrubou os bondes", conta o urbanista.


Um dos grandes questionamentos sobre a escolha do BRT como modelo de transporte em em relação ao modelo ferroviário por metrô ou VLT está na capacidade de transportar passageiros. Quanto maior a demanda, melhor para a opção ferroviária.


No caso dos corredores do Recife, há consenso de que a demanda atual de passageiros é propícia para o BRT. Nos dois maiores corredores Norte/Sul e Leste/Oeste, o volume esperado é de 15 a 20 mil usuários por hora pico. Em Belo Horizonte, por exemplo, o corredor da Antônio Machado, terá 40 mil usuários por hora pico. No Rio de Janeiro, o corredor da TransBrasil, terá uma demanda diária de 1,2 milhão de passageiros, cerca de 60 mil por hora pico. "São corredores que já comportariam o metrô. Aqui no Recife, nós temos ainda uma sobrevida dos ônibus, mas no futuro o ferroviário deverá voltar a fazer parte da paisagem da cidade", revelou o engenheiro César Cavalcanti.

 

 Diário de Pernambuco 

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