Créditos: Guto de Castro/Acervo
Ônibus que demoram a passar. E, quando passam, transportam mais passageiros que o limite recomendável, razão usada como justificativa para que os motoristas não parem nos pontos onde usuários esperam, em alguns casos, por quase uma hora. Ou param, mas apenas para deixar descer alguns passageiros, não permitindo o embarque de mais ninguém – o que acaba por amenizar o desconforto de quem viaja espremido, de pé, em ônibus velhos e malcuidados: não raro, quebram no meio do caminho.
As reclamações acima são as de quem usa o transporte público,
sobretudo ônibus. Acabam por desencorajar o uso dos meios coletivos,
estimulando quem pode a optar por carros que vão congestionar as ruas
das cidades brasileiras, gerando impactos para a qualidade de vida e
economia. Segundo pesquisadores do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec), os usuários já estão habituados aos transtornos. E,
por isso, não exigem que o Poder Público fiscalize e puna as empresas
concessionárias que não oferecem serviço de qualidade.
“Muitas pessoas acham que reclamar não faz sentido. Por isso, o
número de reclamações registradas [pelos órgãos públicos de
fiscalização] não dá conta da realidade”, disse à Agência Brasil João Paulo Amaral, coordenador da pesquisa Transporte Público, Insatisfação Coletiva, divulgada pelo Idec em setembro de 2013.
“As manifestações do ano passado indicam que a população [percebe]
que os problemas não são resolvidos. Daí as pessoas terem ido às ruas:
para reclamar de forma mais enfática”, acrescentou Amaral. Ele considera
que os canais criados para receber as queixas e sugestões de usuários
do transporte público, como as ouvidorias e serviços de atendimento das
empresas de ônibus costumam ser de difícil acesso aos que não têm tempo
sobrando e que, na maioria das vezes, não estão aptas a dar uma resposta
satisfatória aos reclamantes.
“Nós mesmos, do Idec, ao fazermos a pesquisa e acionarmos um desses
serviços na condição de usuários, não recebemos orientações claras,
como, por exemplo, o que fazer para obter as passagens de volta”, disse o
pesquisador.
As considerações de Amaral fazem eco às queixas de muitos usuários.
Em Brasília, por exemplo, a assessora Adriana de Araújo Alves já
recorreu ao DFTrans em duas ocasiões. Na mais recente, no último dia 24,
registrou queixa contra a empresa Riacho Grande. Na véspera, ela já
havia telefonado diretamente para a companhia de ônibus, se queixando de
um motorista que arrancou com o veículo antes que ela tivesse tempo de
embarcar.
“Ele nem bem tinha parado no ponto, ainda estava em movimento,
abrindo a porta, quando eu me virei para me despedir de um amigo. O
motorista voltou a acelerar e foi embora enquanto meu amigo gritava para
ele parar”, contou Adriana à reportagem. “Peguei outro ônibus que vinha
atrás. A certa altura, os dois ônibus ficaram lado a lado e eu
perguntei ao motorista, pela janela, porque ele tinha feito aquilo. Ele
respondeu de maneira bem mal educada que tem horário a cumprir e que se
eu quisesse namorar devia apanhar um táxi. Como se estivesse me fazendo
um favor”, acrescentou a assessora.
“Em agosto, eu já tinha reclamado ao DFTrans que os motoristas
estavam passando direto no mesmo ponto de ônibus [localizado em área
nobre de Brasília]. A atendente me garantiu que eu receberia uma
resposta por e-mail, mas até hoje nada recebi. Como acabei
perdendo o número do protocolo, não consigo saber o resultado da
primeira queixa”, contou a assessora, que não crê em qualquer punição
para a companhia de ônibus. Ainda assim, decidiu registrar a nova
reclamação. “É o único meio que tenho para tentar forçar uma solução.
Mesmo que não tenha uma resposta, minha reclamação ficará registrada”. O
DFTrans informou à assessora que demoraria no mínimo 15 dias para lhe
dar uma resposta. Já a Riacho Grande prometeu lhe dar um retorno no
mesmo dia (23), mas até hoje não houve contato.
“O mais emblemático nisso tudo é o fato de o transporte público não
ser tratado como um serviço cuja qualidade o Poder Público deve
garantir. Em outros setores, como o transporte aéreo, por exemplo, os
consumidores recebem uma resposta. No transporte público, porém, falta
até estímulo para que os usuários reclamem”, concluiu Amaral. Para o
pesquisador, os órgãos públicos deveriam usar as reclamações para
melhorar o sistema de transporte público e também para saber se uma
empresa está prestando um bom serviço. “Obviamente, nenhum governo vai
conseguir resolver uma a uma as muitas reclamações, mas é importante que
haja um procedimento de cobrança que resulte na melhoria da qualidade
do serviço prestado”, concluiu Amaral.
Agência Brasil
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