sábado, 9 de novembro de 2013

Os homens das multidões - parte 3

o meu, o seu, o nosso

A falta de cordialidade e educação entre os passageiros é outra “penitência” diária para quem usa o metrô, conta o comerciante Bandeira, como preferiu ser identificado. “As pessoas fazem questão de ser mal educadas, jogar lixo no chão, passar empurrando quem está ao lado, falar alto ao telefone, ligar o som do celular “, discorre, até ser interrompido pela icônica voz feminina que anuncia sua chegada ao ponto de desembarque.



O desrespeito se estende a regras básicas, como o cumprimento da Lei Federal 10.048/2000, que reserva assentos para portadores de necessidades especiais, gestantes e idosos. Por volta das 10h de uma quinta-feira movimentada, Zélia Cristina, 60, e o marido, José Marcelino, 66, protagonizaram de uma confusão iniciada no embarque em Jaboatão. Eles moram em Boa Viagem e voltavam de uma consulta médica. “Pedi o lugar à moça que estava sentada no assento especial, porque ele está doente e não pode ficar de pé”, se justificou Zélia. A “moça” não gostou e engatou um bate-boca. Outros passageiros se posicionaram contra a atitude da jovem, que acabou mudando de vagão.



“No Brasil, se alguém paga um ingresso de cinema, por exemplo, acredita que pode transformar esse espaço em sua sala de estar, que pode ‘usar e abusar’, como diz a célebre expressão. Faltam boas maneiras: reconhecer o outro como cidadão de igual importância, de igual valor”, afirma Jonatas Ferreira. Para o sociólogo, quando uma pessoa silencia diante de um cumprimento como um “Bom dia” expressa o desejo de, pelo silêncio, afirmar sua ascendência sobre outro. “Numa formação histórica que passou pela escravidão, dizer ‘por favor’ muitas vezes representa uma atitude subalterna, não de cidadania, o que é uma lástima”.



Créditos: Globo Nordeste/Reprodução

Outro problema gerado pelo comportamento dos usuários é a “praga” de ratos nas estações. “A quantidade de lixo jogada nas vias atrai os ratos, que roem a sinalização ao longo da via, causando interrupções na circulação dos trens”, explica Roberto Maranhão, gerente operacional de transporte da CBTU. Segundo ele, recentemente, a subestação Shopping, da Linha Sul, sofreu um curto circuito por causa da presença de ratos. A CBTU gasta cerca de R$ 10 milhões com empresas de desratização por ano.



Também há casos em que os usuários descem até os trilhos para urinar. Flagramos um desses momentos na Estação de Cajueiro Seco, Linha Sul. Alexandre, 37, mora em Aldeia e tinha ido visitar a mãe em Jaboatão — um total de quatro conduções para ir e voltar. Enquanto aguardava o trem chegar, sentiu vontade de ir ao banheiro e não mostrou nenhum constrangimento ao descer a via na frente de todos e urinar. “Eu não estou roubando. As estações não têm banheiro, então a única alternativa é essa” — há banheiros públicos apenas em terminais integrados, como o de Cajueiro Seco. “Em nenhum lugar do mundo, as estações possuem banheiro. Inclusive, seguimos uma orientação da administração do metrô de São Paulo (que só tem banheiros nas estações mais antigas), de que isso não era viável, pois acabaria virando ponto de tráfico e prostituição”, explica o gerente regional de operações, João Dueire.



Os incidentes se estendem aos moradores do entorno das estações. Vez ou outra a maquinista Renata Leite, 37, é surpreendida por pedradas no vidro das cabines ou crianças brincando nos trilhos, o que foi presenciado pela reportagem. “É um susto grande, porque o metrô não freia imediatamente, então pode ocorrer um acidente, além de atrasar a viagem”.



A CBTU realiza campanhas pontuais, como os cartazes que circularam pelas estações alertando sobre a proibição de som alto dentro dos vagões, além das orientações repassadas pelo alto falante. Segundo João Dueire, o órgão possui um departameno de articulação externa que promove visitas às comunidades localizadas no entorno das estações para conscientizar sobre os riscos da presença de pessoas nos trilhos. Em horário de pico, para garantir as vagas dos idosos e portadores de necessidade especiais, um vagão é reservado apenas para este público. “Educação é o melhor caminho”, diz Fernando Jordão, da UFPE. “É preciso pensar campanhas, estabelecer uma comunicação direta com o usuário, para que esses pequenos problemas sejam resolvidos sem grandes traumas”.


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- Entre as normas expressas em alguns pontos de embarque d CBTU, uma em especial chama a atenção: “Probido entrar nas estações com doenças infectocontagiosas”. Além de uma conotação segregadora, a regra é praticamente impossível de ser cumprida. O gerente regional de operações, João Dueire Costa, admite isso e explica que a determinação foi adotada seguindo o modelo do metrô de São Paulo assim que o sistema local foi inagurado,  há 29 anos. “Isso não faz mais sentido. Vamos providenciar a exclusão dessa norma imediatamente”.



- Outros países enfretam problemas semelhantes com relação ao sistema de transporte público. Em Londres, campanha recente, chamada #travelbetterlondon, recorreu a 11 poetas para divulgar regras de convivência nas estações.


Diário de Pernambuco

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