Viramos reféns de uma política que favorece os automóveis em detrimento do transporte público. Foi isso que levou boa parte dos milhões de manifestantes às ruas, no último mês de junho. Segundo uma pesquisa do Ibope e CNT, 77% das pessoas diz que foi protestar por melhores transportes públicos. Porém, nós também temos nossa parcela de culpa pela primazia dos veículos individuais. Ninguém, em sã consciência, é contra investir mais em trens, ônibus e metrôs. Mas a gestão dos prefeitos, governadores e presidentes é feita de escolhas. Priorizar uma área é desfavorecer a outra. E muitas vezes nossos sinais foram ambíguos.
Quando a economia brasileira deu sinais de perda de fôlego com a crise internacional de 2008, uma das principais medidas do governo para manter o consumo e o emprego foi reduzir os impostos dos automóveis. A medida foi reeditada várias vezes nós últimos anos. Embora as montadoras e seus fornecedores empreguem muita gente, algumas pesquisas mostraram que reduzir impostos para a expansão de trens, metrôs e assemelhados gerava tantos ou mais empregos, sem congestionar nem poluir as cidades.
Porém, favorecer os automóveis tem um benefício eleitoral (ou eleitoreiro, como queira). Comprar o primeiro automóvel foi um dos símbolos da conquista da ascensão dos mais pobres durante o governo Lula. Garantir altas taxas de emprego dos metalúrgicos na região das montadoras, cujos sindicatos gestaram o presidente Lula, também não foi ruim. Quantos eleitores não votaram com isso em mente? Há ainda outros motivos para um governo incentivar os carros. Eles são a maior máquina de arrecadação de impostos.
Com tantos incentivos, os congestionamentos nas cidades se multiplicaram. O trânsito ruim piorou a vida de quem fica congestionado dentro dos ônibus. Uma nova geração está optando feliz por vivem ser carro. Os benefícios de ficar atrás do voltante já não são tão grandes assim.
A novidade das ruas indica que a população vai premiar quem fizer um bom trabalho para melhorar os transportes públicos. As soluções não são revolucionárias. Há vários exemplos pelo mundo, inclusive alguns no Brasil. Mas melhorar o transporte público tem um preço. Significa piorar a vida de quem anda de carro. Será preciso alargar calçadas, reduzir áreas de estacionamentos, implantar pedágios urbanos e criar vias exclusivas para ônibus ou suas variantes, como o BRT (um ônibus articulado que anda numa pista só) ou o VLT (um bonde moderno). Será que o desgaste político de irritar tantos motoristas (que se esforçaram para comprar o carro e mantê-lo) vai compensar?
Pode ser que sim.
Em 1997, quando Fabio Feldmann, secretário de Transportes do Estado de São Paulo, criou o primeiro programa de restrição aos automóveis, o rodízio na região metropolitana da capital, conquistou inimizades e pagou um alto preço político. Isso desestimulou outros executivos a adotar medidas severas, como rodízios, pedágios ou fechamento de ruas para pedestres.
A onda de manifestações atual pode significar que o apoio popular a medidas que favoreçam o transporte para todos nas cidades, mesmo em detrimento dos automóveis, pode agora compensar a irritação de alguns motoristas com as restrições à circulação. Com sorte, eles também descobrirão que o dia-a-dia é melhor com o carro na garagem. Faz bem até para a saúde.
Revista Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário