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Créditos: Guto de Castro/Maxi Ônibus Olinda |
Dois milhões de passageiros diariamente, três mil ônibus circulando
nas ruas e um problema que parece distante de ser solucionado. Para,
além do desrespeito marcado por filas intermináveis e coletivos sempre
superlotados, a má qualidade na prestação do serviço de transporte na
RMR enfrenta outros gargalos, como a malha viária repleta de obras
inacabadas, a falta de planejamento e um trânsito engarrafado. O atual
formato de integração, adotado no Estado há 30 anos, é outro problema. O
alívio no bolso ao se deslocar pagando uma única tarifa já não se
apresenta como solução, mas sim como risco e perda de tempo para quem
precisa do transporte público.
O percurso antes executado em um
único veículo, apanhado na porta de casa, agora chega a ser feito por
três, em uma verdadeira maratona de embarques e desembarques. Para
especialistas, há, ainda, a falta de engenharia de tráfego, já que mesmo
sendo maior que a de outras praças, a frota da Capital não atende à
demanda. Somado a todos esses entraves, outro agravante: motoristas que
encaram jornadas de trabalho de até 12 horas e suportam os
congestionamentos em ônibus sem ar-condicionado e em meio às queixas dos
usuários. “Hoje sentimos as consequências de um sistema carente,
implantado em uma época em que não havia ferramentas para conhecer de
perto as necessidades dos usuários”, explica o consultor em mobilidade,
professor da UFPE, César Cavalcanti.
Segundo ele, comparado a outras
regiões metropolitanas do País, como a de Curitiba (com 1,9 mil veículos
e 2,2 milhões de usuários diários), o quantitativo de ônibus em
operação na RMR poderia ser visto como satisfatório. “O formato de
integração aberta, esquecido por aqui, é utilizado na maioria dos
municípios com mais de 100 mil habitantes. É uma ferramenta que evita
transtornos e não necessita de altos investimentos”, defendeu. O Grande
Recife conta com 19 terminais integrados em funcionamento, estando ainda
cinco em construção e mais dois em processos de reforma ou ampliação. O
sistema temporal, em testes há mais de um ano, prevê que o passageiro
possa se deslocar em um prazo de duas horas, embarcando e desembarcando
ao longo do percurso. Detalhe: o benefício é desconhecido pela maioria
dos usuários. “Das 394 linhas, 74 estão habilitadas para o sistema. Mas
não há condições de abrir o processo para a livre escolha do usuário,
representaria mais custos que teriam que ser repassados”, afirmou o
diretor de operações, André Melibeu. Questionado, ele não forneceu a
relação das linhas participantes.
OS TERMINAIS
A Folha
percorreu importantes terminais da RMR em horários considerados
conturbados, entre as 5h30 e 9h, tornando a visitá-los entre às 17h e
20h. Nos locais, cenas de um filme já conhecido pelos usuários do
sistema de ônibus, com o desrespeito se mostrando como palavra de ordem.
No Terminal da Macaxeira, na Zona Norte do Recife, por onde circulam 55
mil pessoas todos os dias, a correria é percebida desde a entrada.
“Sempre enfrentamos o mesmo tormento. O tempo de espera é grande e com
isso as filas parecem não ter fim”, disse a auxiliar de cozinha Monica
Nascimento, 46 anos. Nos pontos de embarque, o fator segurança parece
ser deixado de lado, com passageiros amontoados nas portas, que seguem
entreabertas após a partida do veículo. “Já fui empurrado e cai no
chão”, contou o vendedor Hugo Santana, 41.
Comportando dez
linhas, o Terminal do Barro também amarga falhas estruturais, com muitas
reclamações dos usuários. “Hoje sou obrigado a sair muito mais cedo de
casa para conseguir chegar a tempo. É uma perda na qualidade de vida”,
reclamou o técnico em laboratório Elias Souza, 61. A situação é
confirmada pela dona de casa Meury Silva, 57. “Já cheguei a passar 50
minutos esperando ônibus”, disse. Passando para o Terminal da PE-15, em
Olinda, considerado o mais antigo em operação, a doméstica Maria José,
54, conta um pouco do drama enfrentado na região. “Antes eu precisava
pegar um único ônibus para chegar ao trabalho. Agora são três, todos
lotados. A vontade é de desistir”, criticou.
No Joana Bezerra,
que além das dez linhas também abraça o sistema de metrô, a situação
pode ser compreendida como amais precária, incluindo a falta de abrigo
nos dias de chuva. “A volta para casa é sempre complicada. A gente já
fica pensando no dia seguinte”, revela o pintor Asidezio Francisco, 55,
que mora no Jordão e também precisa embarcar em três coletivos. Grávida
de cinco meses, a auxiliar administrativa Regina Gonçalves, 26, divide
as dificuldades também encaradas por idosos e portadores de dificuldades
de locomoção. “Não há respeito nem mesmo para disputar as cadeiras
reservadas. E os fiscais não são vistos”, disse.
FISCALIZAÇÃO
Os problemas encontrados diariamente nas ruas são alvos de constantes
reclamações dos usuários que apontam a ausência de uma fiscalização
ostensiva para as irregularidades. A Federação dos Usuários de Ônibus de
Pernambuco assinala que as arrancadas bruscas, a queima de paradas e o
desrespeito na prestação do serviço tornaram-se comuns. “Os cidadãos
procuram a central de atendimento ou mesmo a ouvidoria do Grande Recife e
não recebem qualquer retorno. A sensação que fica é de que nada é
executado. A maioria já acha uma perda de tempo”, explica a presidente
Renilda Acioli, que também aponta a falta de vistoria diária nos
terminais e corredores de grande circulação.
De acordo com o
Grande Recife Consórcio de Transporte, a Central de Atendimento ao
Cliente recebe uma média de 270 ligações diárias, entre denúncias,
reclamações e esclarecimentos. Conforme o órgão, o serviço recebeu 3.842
reclamações de janeiro até a última quinta-feira. O Consórcio reforçou
que, a partir das informações recolhidas, é gerado um número de
protocolo. Os dados são encaminhados para o setor responsável ou
diretamente para a empresa, que tem um prazo de dez dias úteis para
responder a demanda. O passo seguinte, informou o Consórcio, é o contato
com o usuário para um posicionamento.
Para o presidente do
Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, Benilson Custódio, as falhas no
sistema de transporte público são frutos de erros que se repetem. “As
linhas não são organizadas como deveriam, com as saídas dos terminais em
horários desregrados, sem considerar a demanda do turno e a distinção
de ônibus comuns e articulados, capazes de transportar muito mais
passageiros”, explica, reforçando a falta de políticas de valorização
aos profissionais, que enfrentam longas jornadas e recebem baixos
salários.
MALHA VIÁRIA
Com obras sofrendo um ciclo de
atrasos há mais de dois anos, importantes corredores como as avenidas
Conde da Boa Vista e Caxangá, no Recife, assim como a PE-15 e
Pan-Nordestina, em Olinda, ainda estão inacabados, bloqueando caminhos
por onde passam mais de 300 mil pessoas. A disputa de espaço entre BRTs e
carros de passeio é constante.
Para o engenheiro Germano
Travassos, trata-se de imbróglios que não podem ser desconsiderados. “O
rendimento da frota não pode mais ser medido apenas pela quantidade de
ônibus, mas pela velocidade que eles conseguem operar. Assistimos a um
entrave quanto à produtividade ao pensar nos congestionamentos e
trajetos feitos com velocidade abaixo de 15 km/h”, alerta. A defesa
perpassa pela criação de mais corredores exclusivos para ônibus,
segregados por canteiros ou ainda marcados por sinalizações horizontais.
“Sem fiscalização, essas vias não são respeitadas e assim não temos
qualquer avanço”, acrescentou Travassos.
O processo de licitação
para as empresas operadoras de ônibus, promovido em 2014 e dividido em
sete lotes, ainda cumpre etapas burocráticas, como assinaturas de
contratos, não havendo um cronograma definido. De acordo com o Grande
Recife Consórcio de Transporte, cerca de 700 novos veículos seriam
necessários para uma renovação consistente na frota.
“O problema
não está na quantidade de veículos nas ruas, mas na velocidade do
sistema. Efetuamos alterações constantes na programação no sentido de
atender essas demandas. Mas, em alguns momentos do dia, os ônibus que
deixam as garagens ou os terminais não voltam em tempo hábil. Os
intervalos maiores para o embarque e o público acentuado são
inevitáveis”, minimizou o diretor de operações André Melibeu.
PLANEJAMENTO
Para qualquer projeto de melhoria no sistema de transporte público da
Região Metropolitana do Recife, apontam especialistas, é fundamental o
conhecimento da atual realidade da demanda viária. Fatores como os novos
polos de trafego, vias que tiveram a circulação ampliada e as rotas
hoje adotadas por ciclistas integram a lista a ser considerada.
Contrariando essas necessidades, estudos desse porte na RMR não
registram avanços há quase duas décadas.
A última pesquisa de
origem/destino na Região Metropolitana do Recife foi executada em 1997,
quando foram coletados dados para servir de base para investimentos na
área de transportes. A realidade da época era de menos de 500 mil
veículos emplacados. Um número três vezes menor que o atual demais de
1,2 milhão. De acordo com último censo, a população, hoje de 3,6
milhões, também teve um salto de cerca de 700 mil pessoas.
“O tempo
passou, as cidades mudaram e o perfil dos indivíduos também. Essas
informações seriam fundamentais para o planejamento das ações atuais e
futuras. As novas linhas de ônibus, por exemplo, acabam surgindo a
partir de ofícios, interesses políticos ou reivindicações de
comunidades, sem um estudo dedicado que aponte as suas reais
necessidades”, explicou o consultor em mobilidade Carlos Augusto Elias.
De acordo com a Secretaria Estadual das Cidades, o processo licitatório
para a contratação da empresa que produzirá a pesquisa deve ter início
até o fim deste ano.
Segundo o Sindicato dos Rodoviários de
Pernambuco, a instalação de terminais muito próximos aos bairros é um
fator que não colabora. “Varias linhas diretas foram destituídas e o
cidadão se viu obrigado a desembarcar em poucos minutos, perdendo seus
assentos e enfrentando filas”, afirmou o presidente Benilson Custódio.
Segundo ele, o quantitativo apresentado de três mil ônibus circulando
não considera que em torno de 25% ficam fora das ruas por problemas
mecânicos.
Folha de Pernambuco