sábado, 5 de outubro de 2013

Investimento em mobilidade no Brasil é vergonhoso, diz especialista sobre Pnad

Passageiros enfrentam ônibus lotado na zona leste de São Paulo
Créditos: Apu Gomes/UOL

A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2012, divulgada no último dia 27 pelo IBGE, apontou que o brasileiro está comprando mais carros e motocicletas. Para o coordenador do núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, este é um reflexo dos escassos investimentos em mobilidade urbana feito pelas três esferas de governo.

"O nível de investimento em mobilidade no Brasil é vergonhoso, ridículo. Devia ser muito maior. Se pegarmos todos os projetos hoje no país, o investimento é de cerca de R$ 81 bilhões", afirma Resende. "Isso não representa um quinto do necessário. Precisaríamos de R$ 450 bilhões a R$ 500 bilhões em projetos nos próximos anos para acelerar a retirada de veículos das ruas."

No país, o percentual de domicílios em que ao menos um morador possuía carro, segundo a pesquisa, chegou a 42,4%, o que corresponde a 26,7 milhões de lares. Já as motocicletas estão presentes em 20% das casas, com 12,6 milhões de unidades. Em 2011, 40,9% das residências tinham um carro – com aumento 1,3 ponto percentual em 2012. Já o percentual de casas com motos subiu 0,9 ponto entre 2011 e o ano seguinte.

"Os dados são preocupantes. Não é só a Pnad que demonstra isso, mas nos últimos dez anos o Brasil ampliou sua frota, e o ritmo não mostra sinais de arrefecimento", afirma o especialista. "O aumento do número de veículos não vai cessar. A aquisição de carros é cada vez mais fácil, e a frota de segunda mão tem preço acessível."

A presidente Dilma Rousseff anunciou este ano que pretende destinar R$ 50 bilhões para novos investimentos em mobilidade urbana até o final de seu mandato. Nos últimos 11 anos (2002 a 2012), em valores atualizados, R$ 6,8 bilhões foram autorizados para ações de mobilidade urbana, porém apenas R$ 1,3 bilhão (19,1%) foi efetivamente aplicado.

Até junho de 2013, o programa orçamentário "Mobilidade Urbana e Trânsito", que promove a articulação das políticas de transporte, trânsito e acessibilidade, aplicou apenas 13,3% do total de recursos previstos para o exercício (R$ 1,5 bilhão) - o equivalente a R$ 205,7 milhões.

Resende faz um comparativo da maior metrópole do país, São Paulo, a duas cidades cheias de veículos, mas com situações distintas: Los Angeles (Estados Unidos) e Nova Delhi (Índia).

"A cidade indiana tratou o problema da explosão de veículos de forma não planejada, apenas com medidas paliativas. O investimento em metrô e transporte público foi baixo e se abriu espaço para efeitos de insegurança: em determinados bairros se paga pedágio para os donos da região. Los Angeles fez o contrário", disse. "Lá a opção de ter carro é do cidadão. Ele acha que vale a pena ter carro, apesar de ter havido investimento maciço em transporte público."

São Paulo e as grandes cidades do país, segundo Resende, se encaminham para replicar Nova Delhi. "Um lado da equação nos coloca no caminho destas duas cidades: o aumento do número de veículos não vai parar. A questão é o outro lado da equação. O que nós faremos? Medidas de curto prazo? A reação dos gestores tem sido de fazer obras. São viadutos, pontes, contrato fácil, facilidades para a corrupção e nada de planejamento a longo prazo."

Foco deveria ser em metrô: Nas grandes cidades, o especialista é um defensor de investimento em um tipo de transporte público específico: o metrô. Segundo Resende, é o único meio capaz de oferecer grande escala e agilidade, itens indispensáveis quando se acentua o distanciamento da periferia para o centro das metrópoles.

"Em São Paulo, nós temos a maior distância entre o local onde as pessoas trabalham e estudam e suas casas. O hipercentro da cidade tem densidade de empregos 200 vezes maior que a periferia, 100% mais vagas escolares. Mas há um adensamento populacional nos subúrbios", explica o professor.

Outra questão salientada pelo especialista: a maior parte dos donos de automóveis estão entre as pessoas mais ricas. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), numa pesquisa de origem e destino em São Paulo, 79% da classe A anda de carro. Esta proporção cai para 60% na classe B, 40% na C, 27% na D.

"Dificilmente a classe A vai deixar de ter carro para andar de ônibus. Isso não acontece em nenhum lugar do mundo. Só deixaria o automóvel para andar de metrô", disse. "E em São Paulo o metrô não tem nem 80 km. Em Londres, tem 410; Nova York, 380; Paris, 220. E são cidades com densidade populacional menor."

O governo de São Paulo afirma que conta com uma malha metroferroviária de 335 km de extensão (74,3 de linhas metroviárias, 65,3 km a cargo da Companhia do Metrô e 9 km com operação e manutenção sob a responsabilidade da concessionária privada ViaQuatro, além de 260,7 km da CPTM).

Segundo o plano de investimentos da Secretaria de Transportes Metropolitanos, os recursos financeiros necessários para o período de 2011 a 2014 serão de R$ 26,2 bilhões para fazer a malha do metrô ultrapassar 100 km de extensão.

Resende critica ainda os projetos de mobilidade que estão sendo implantados no Rio de Janeiro, sede da Olimpíada de 2016. Para o especialista, os corredores expressos de ônibus não se sustentam a longo prazo. "Só funciona quando ele se conecta ao trem e ao metrô, o que não é exatamente o caso."

A justificativa da prefeitura do Rio para investir em corredores de ônibus (os chamados BRTs) é financeira. Segundo o prefeito Eduardo Paes, cobrir qualquer distância de BRTs custa 15 vezes menos que fazer o mesmo com linhas de metrô. A ideia de Paes é entregar 252 quilômetros de BRT até a Olimpíada de 2016 ao custo de R$ 5,6 bilhões. E, na Barra da Tijuca, os corredores de ônibus vão se integrar com a estação de metrô que lá está sendo construída.

Uol

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