Uma das principais reivindicação das manifestações que se espalharam pelo país, a tarifa zero para transporte público é um tema complexo cuja viabilidade divide a opinião de especialistas. Se, para o Movimento Passe Livre (MPL) e parte dos especialistas consultados pela Agência Brasil, a gratuidade é possível e não compromete a eficiência, para outros, a isenção coloca em risco, justamente, a qualidade do serviço.
“O que defendemos é que o transporte não seja pago pela população que o utiliza, e sim pelo conjunto da sociedade, especialmente por meio dos impostos”, argumenta o professor de história Lucas Monteiro, uma das lideranças do Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo. Segundo ele, a principal bandeira do movimento é a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 90/2011. A medida prevê a inclusão do transporte no grupo de direitos sociais estabelecidos pela Constituição Federal – e foi apresentada pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP).
Doutor em Políticas de Transporte pela Universidade Dortmund, na Alemanha, e professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Joaquim Aragão considera possível zerar a tarifa, mas, antes, é preciso ter em mente que essa conta será paga, de alguma forma, pelo contribuinte. “Não é algo fácil de ser obtido. Primeiro, pela dificuldade em sabermos exatamente qual é o custo do transporte, já que as empresas que têm essas informações as colocam em uma caixa-preta. Isso acontece em todas as cidades.”
Outro ponto que precisa ser considerado, segundo Aragão, é que “a implantação certamente não será imediata”, tendo de cumprir etapas antes de a gratuidade beneficiar toda a população. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o transporte de estudantes é insumo essencial da educação e assim resolver o problema para, em um segundo momento, estender o serviço aos beneficiados pelo Bolsa Família.
Depois disso, abre-se a possibilidade de expandir a isenção da passagem. “O ideal é usar os recursos da educação para ampliar ainda mais a gratuidade do transporte”, disse Aragão, tendo por base os benefícios da economia de escala, segundo a qual quanto mais serviços forem contratados, menor o preço unitário. Assim, o transporte gratuito pleno seria obtido a partir do transporte estudantil.
Uma proposta de tarifa zero chegou a ser encaminhada à Câmara de Vereadores de São Paulo em 1990, durante o governo da prefeita Luiza Erundina, mas não foi votado pelos parlamentares. O então secretário de Transportes do município, Lúcio Gregori, sugeria uma redistribuição dos tributos municipais, especialmente o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), com mais aumento sobre os que tinham propriedades maiores. Os recursos arrecadados iriam para um fundo, que bancaria a gratuidade do sistema, além da melhoria e da ampliação da frota.
Segundo o ex-secretário, o sistema previsto na época ainda é “totalmente viável”, por meio de uma reforma tributária que aumente a arrecadação das prefeituras e dos estados ou ainda por suporte do governo federal.
Gregori lembra que há vários serviços públicos que não são pagos no ato da prestação, como coleta de lixo e iluminação. “A proposta da tarifa zero é estender esse mesmo conceito para o transporte urbano”, explica. Ele lembra, no entanto, que existe muita resistência política em relação à ideia. “Mas é perfeitamente viável, não tenho a menor dúvida. Agora é uma disputa política pesadíssima.”
Para o arquiteto, urbanista e especialista em transporte público Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba (PR), a gratuidade não é viável, "porque coloca em risco a qualidade do próprio transporte público", disse ele à Agência Brasil.
Segundo Lerner, a solução para o transporte público brasileiro não está na gratuidade. “A reivindicação pela tarifa zero é uma mensagem da população no sentido de melhorar a qualidade dos serviços prestados”, avalia. Segundo ele, a população ficaria satisfeita tendo um bom transporte público a baixo custo. Mas para baixar esse custo, é fundamental que o sistema, como um todo, tenha qualidade operacional, argumenta ele.
“Em menos de três anos é possível criar boas alternativas de mobilidade em todas as cidades brasileiras. Dá para solucionar, mas tem de haver decisão e tem de saber operar, porque o problema não está restito à quantidade de ônibus, mas à qualidade de operação”, disse.
O ex-prefeito de Curitiba – capital onde implantou um sistema de ônibus com faixas exclusivas e estações de embarque que, segundo ele, já foi implantado em mais 156 cidades – diz que, atualmente, as empresas de transporte público têm interesse em melhorar a operação, porque a dificuldade em circular também é ruim para elas, “que precisam fazer investimentos a mais, sem que o número de passageiro aumente”.
Agência Brasil
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