domingo, 17 de maio de 2015

Os gargalos do transporte público

Créditos: Guto de Castro/Maxi Ônibus Olinda

Dois milhões de passageiros diariamente, três mil ônibus circulando nas ruas e um problema que parece distante de ser solucionado. Para, além do desrespeito marcado por filas intermináveis e coletivos sempre superlotados, a má qualidade na prestação do serviço de transporte na RMR enfrenta outros gargalos, como a malha viária repleta de obras inacabadas, a falta de planejamento e um trânsito engarrafado. O atual formato de integração, adotado no Estado há 30 anos, é outro problema. O alívio no bolso ao se deslocar pagando uma única tarifa já não se apresenta como solução, mas sim como risco e perda de tempo para quem precisa do transporte público.

O percurso antes executado em um único veículo, apanhado na porta de casa, agora chega a ser feito por três, em uma verdadeira maratona de embarques e desembarques. Para especialistas, há, ainda, a falta de engenharia de tráfego, já que mesmo sendo maior que a de outras praças, a frota da Capital não atende à demanda. Somado a todos esses entraves, outro agravante: motoristas que encaram jornadas de trabalho de até 12 horas e suportam os congestionamentos em ônibus sem ar-condicionado e em meio às queixas dos usuários. “Hoje sentimos as consequências de um sistema carente, implantado em uma época em que não havia ferramentas para conhecer de perto as necessidades dos usuários”, explica o consultor em mobilidade, professor da UFPE, César Cavalcanti.


Segundo ele, comparado a outras regiões metropolitanas do País, como a de Curitiba (com 1,9 mil veículos e 2,2 milhões de usuários diários), o quantitativo de ônibus em operação na RMR poderia ser visto como satisfatório. “O formato de integração aberta, esquecido por aqui, é utilizado na maioria dos municípios com mais de 100 mil habitantes. É uma ferramenta que evita transtornos e não necessita de altos investimentos”, defendeu. O Grande Recife conta com 19 terminais integrados em funcionamento, estando ainda cinco em construção e mais dois em processos de reforma ou ampliação. O sistema temporal, em testes há mais de um ano, prevê que o passageiro possa se deslocar em um prazo de duas horas, embarcando e desembarcando ao longo do percurso. Detalhe: o benefício é desconhecido pela maioria dos usuários. “Das 394 linhas, 74 estão habilitadas para o sistema. Mas não há condições de abrir o processo para a livre escolha do usuário, representaria mais custos que teriam que ser repassados”, afirmou o diretor de operações, André Melibeu. Questionado, ele não forneceu a relação das linhas participantes.

OS TERMINAIS
A Folha percorreu importantes terminais da RMR em horários considerados conturbados, entre as 5h30 e 9h, tornando a visitá-los entre às 17h e 20h. Nos locais, cenas de um filme já conhecido pelos usuários do sistema de ônibus, com o desrespeito se mostrando como palavra de ordem. No Terminal da Macaxeira, na Zona Norte do Recife, por onde circulam 55 mil pessoas todos os dias, a correria é percebida desde a entrada.

“Sempre enfrentamos o mesmo tormento. O tempo de espera é grande e com isso as filas parecem não ter fim”, disse a auxiliar de cozinha Monica Nascimento, 46 anos. Nos pontos de embarque, o fator segurança parece ser deixado de lado, com passageiros amontoados nas portas, que seguem entreabertas após a partida do veículo. “Já fui empurrado e cai no chão”, contou o vendedor Hugo Santana, 41.

Comportando dez linhas, o Terminal do Barro também amarga falhas estruturais, com muitas reclamações dos usuários. “Hoje sou obrigado a sair muito mais cedo de casa para conseguir chegar a tempo. É uma perda na qualidade de vida”, reclamou o técnico em laboratório Elias Souza, 61. A situação é confirmada pela dona de casa Meury Silva, 57. “Já cheguei a passar 50 minutos esperando ônibus”, disse. Passando para o Terminal da PE-15, em Olinda, considerado o mais antigo em operação, a doméstica Maria José, 54, conta um pouco do drama enfrentado na região. “Antes eu precisava pegar um único ônibus para chegar ao trabalho. Agora são três, todos lotados. A vontade é de desistir”, criticou.

No Joana Bezerra, que além das dez linhas também abraça o sistema de metrô, a situação pode ser compreendida como amais precária, incluindo a falta de abrigo nos dias de chuva. “A volta para casa é sempre complicada. A gente já fica pensando no dia seguinte”, revela o pintor Asidezio Francisco, 55, que mora no Jordão e também precisa embarcar em três coletivos. Grávida de cinco meses, a auxiliar administrativa Regina Gonçalves, 26, divide as dificuldades também encaradas por idosos e portadores de dificuldades de locomoção. “Não há respeito nem mesmo para disputar as cadeiras reservadas. E os fiscais não são vistos”, disse.

FISCALIZAÇÃO
Os problemas encontrados diariamente nas ruas são alvos de constantes reclamações dos usuários que apontam a ausência de uma fiscalização ostensiva para as irregularidades. A Federação dos Usuários de Ônibus de Pernambuco assinala que as arrancadas bruscas, a queima de paradas e o desrespeito na prestação do serviço tornaram-se comuns. “Os cidadãos procuram a central de atendimento ou mesmo a ouvidoria do Grande Recife e não recebem qualquer retorno. A sensação que fica é de que nada é executado. A maioria já acha uma perda de tempo”, explica a presidente Renilda Acioli, que também aponta a falta de vistoria diária nos terminais e corredores de grande circulação.


De acordo com o Grande Recife Consórcio de Transporte, a Central de Atendimento ao Cliente recebe uma média de 270 ligações diárias, entre denúncias, reclamações e esclarecimentos. Conforme o órgão, o serviço recebeu 3.842 reclamações de janeiro até a última quinta-feira. O Consórcio reforçou que, a partir das informações recolhidas, é gerado um número de protocolo. Os dados são encaminhados para o setor responsável ou diretamente para a empresa, que tem um prazo de dez dias úteis para responder a demanda. O passo seguinte, informou o Consórcio, é o contato com o usuário para um posicionamento.

Para o presidente do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, Benilson Custódio, as falhas no sistema de transporte público são frutos de erros que se repetem. “As linhas não são organizadas como deveriam, com as saídas dos terminais em horários desregrados, sem considerar a demanda do turno e a distinção de ônibus comuns e articulados, capazes de transportar muito mais passageiros”, explica, reforçando a falta de políticas de valorização aos profissionais, que enfrentam longas jornadas e recebem baixos salários.

MALHA VIÁRIA
Com obras sofrendo um ciclo de atrasos há mais de dois anos, importantes corredores como as avenidas Conde da Boa Vista e Caxangá, no Recife, assim como a PE-15 e Pan-Nordestina, em Olinda, ainda estão inacabados, bloqueando caminhos por onde passam mais de 300 mil pessoas. A disputa de espaço entre BRTs e carros de passeio é constante.

Para o engenheiro Germano Travassos, trata-se de imbróglios que não podem ser desconsiderados. “O rendimento da frota não pode mais ser medido apenas pela quantidade de ônibus, mas pela velocidade que eles conseguem operar. Assistimos a um entrave quanto à produtividade ao pensar nos congestionamentos e trajetos feitos com velocidade abaixo de 15 km/h”, alerta. A defesa perpassa pela criação de mais corredores exclusivos para ônibus, segregados por canteiros ou ainda marcados por sinalizações horizontais. “Sem fiscalização, essas vias não são respeitadas e assim não temos qualquer avanço”, acrescentou Travassos.

O processo de licitação para as empresas operadoras de ônibus, promovido em 2014 e dividido em sete lotes, ainda cumpre etapas burocráticas, como assinaturas de contratos, não havendo um cronograma definido. De acordo com o Grande Recife Consórcio de Transporte, cerca de 700 novos veículos seriam necessários para uma renovação consistente na frota.

“O problema não está na quantidade de veículos nas ruas, mas na velocidade do sistema. Efetuamos alterações constantes na programação no sentido de atender essas demandas. Mas, em alguns momentos do dia, os ônibus que deixam as garagens ou os terminais não voltam em tempo hábil. Os intervalos maiores para o embarque e o público acentuado são inevitáveis”, minimizou o diretor de operações André Melibeu.

PLANEJAMENTO
Para qualquer projeto de melhoria no sistema de transporte público da Região Metropolitana do Recife, apontam especialistas, é fundamental o conhecimento da atual realidade da demanda viária. Fatores como os novos polos de trafego, vias que tiveram a circulação ampliada e as rotas hoje adotadas por ciclistas integram a lista a ser considerada. Contrariando essas necessidades, estudos desse porte na RMR não registram avanços há quase duas décadas.


A última pesquisa de origem/destino na Região Metropolitana do Recife foi executada em 1997, quando foram coletados dados para servir de base para investimentos na área de transportes. A realidade da época era de menos de 500 mil veículos emplacados. Um número três vezes menor que o atual demais de 1,2 milhão. De acordo com último censo, a população, hoje de 3,6 milhões, também teve um salto de cerca de 700 mil pessoas. 


“O tempo passou, as cidades mudaram e o perfil dos indivíduos também. Essas informações seriam fundamentais para o planejamento das ações atuais e futuras. As novas linhas de ônibus, por exemplo, acabam surgindo a partir de ofícios, interesses políticos ou reivindicações de comunidades, sem um estudo dedicado que aponte as suas reais necessidades”, explicou o consultor em mobilidade Carlos Augusto Elias. De acordo com a Secretaria Estadual das Cidades, o processo licitatório para a contratação da empresa que produzirá a pesquisa deve ter início até o fim deste ano.


Segundo o Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, a instalação de terminais muito próximos aos bairros é um fator que não colabora. “Varias linhas diretas foram destituídas e o cidadão se viu obrigado a desembarcar em poucos minutos, perdendo seus assentos e enfrentando filas”, afirmou o presidente Benilson Custódio. Segundo ele, o quantitativo apresentado de três mil ônibus circulando não considera que em torno de 25% ficam fora das ruas por problemas mecânicos.

Folha de Pernambuco

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