sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Os homens das multidões - parte 2

Cultos expressos

Créditos: Globo Nordeste/Reprodução

Vestido comprido cor de vinho, coque no cabelo, a mulher aproveita a deixa de um pedinte que roga em nome de Deus pela ajuda dos passageiros para lançar mão de uma leitura biblíca. Alguns usuários apoiam a pregação iniciada de forma tímida, mas que logo ganha força. “O povo de Deus conhece a verdade”, incita a senhora, acompanhada por ecos de “Amém” e “Glória”. Algumas pessoas demonstram incômodo, colocando fones nos ouvidos ou se afastando dos interlocutores. A pregadora emenda: “Tem gente que não gosta de ouvir a palavra de Deus, mas quando está no momento de dificuldade sabe clamar por ele”.


Entre as normas institucionais definidas pela CBTU está a proibição de “fazer manifestações políticas e religiosas nas estações e trens”. A determinação é frequentemente contestada pela classe evangélica. Encontramos o diácomo da 1ª Igreja Batista do Pina, Ivancir Ferreira, 49, de terno e gravata, Bíblia em mãos, recostado numa pilastra da estação Joana Bezerra. Ele diz que a proibição de pregação nas estações é uma “perseguição contra o povo de Deus” e que não tem apoio popular. “Muita gente nos defende porque sabe que estamos levando a palavra de Deus”.


A orientação repassada pela CBTU aos seus seguranças é a de que inibam as pregações e qualquer outro tipo de manifestação religiosa e política nas dependências do sistema. Mesmo assim, Ivancir conta que todo mês um culto é realizado em uma das estações. “Também fazemos um trabalho junto aos funcionários que são evangélicos para que nos ajudem a ganhar mais oportunidade de pregar o Evangelho no metrô. É um lugar onde se encontram pessoas de todos os tipos, e precisando de socorro”. Segundo ele, os seguranças evangélicos são mais compreensivos, mas “os do mundo” costumam interromper os fiéis. “A Bíblia alerta sobre essa perseguição. Mas o reino do senhor será tomado à força”, prega.


Outro grupo que também reivindica espaço e divide a opinião dos usuários são os ambulantes que comercializam seus produtos nos vagões, rampas de acesso e plataformas. Quase não são vistos na linha Sul, por conta das câmeras instaladas nos trens. Mas batem ponto na linha Centro, em que apenas um trem é monitorado. “Olha o passatempo da viagem”, berra Stefania Felix da Silva, 27. Nina, como é conhecida, mora em Afogados, começou a trabalhar como ambulante aos 15 e cria os quatro filhos (está grávida de mais um) com o que arrecada vendendo pipoca, paçoca, amedoim e afins. Já perdeu as contas de quantas vezes foi flagrada pelos seguranças. “Dá uma vergonha, porque fica todo mundo olhando, mas os passageiros não acham certo. Os seguranças tomam nossa mercadoria e não devolvem nem pra vender lá fora”, acusa, mostrando uma cicatriz no braço direito, supostamente causada pela agressão de um policial ferroviário.


Alguns usuários reclamam, a maioria acaba defendendo os comerciantes. “É melhor eles aqui trabalhando do que por aí fazendo coisa errada”, dizem os partidários da causa, que avisam os vendedores quando os seguranças se aproximam. Para se livrar da fiscalização, o mais comum é aproveitar a parada do trem para “fugir” de um vagão para outro. Outro truque é imitar o visual dos usuários que seguem para o trabalho (calça e sapato social, camisa de manga), para dificultar a identificação.


Nina conta que a concorrência dentro das estações tem aumentado cada vez mais. “Tem gente que nem precisa. Usa o dinheiro só para noiar (fumar crack)”. Ela também diz que há supostos mendigos que vivem de pedir dinheiro nas estações, mesmo tendo casa e carro próprios. Segundo ela, os próprios vendedores vêm definindo táticas para não importunar os passageiros com o barulho e respeitar a concorrência entre eles. “A gente combina que, se já tiver alguém no vagão, quem estiver fora não entra, principalmente se o produto à venda for o mesmo”. Nem todos seguem o acordo, e não raro há conflitos entre eles.


A tarefa de lidar com os problemas entre evangélicos, ambulantes, pedintes e usuários cabe aos 150 seguranças que prestam serviço para a CBTU, por meio da empresa terceirizada BBC Vigilância. Atuam em duplas e reclamam das condições de trabalho. “Não temos respaldo legal. Não podemos prender os ambulantes, sem contar que a demanda de pessoas é muito grande. Quem passa as ordens não conhece o nosso dia a dia”, detalha um deles, que pede para não ser identificado. Segundo ele, agressões verbais e ameaças de morte são comuns. Por isso, alega, “é preciso fazer vista grossa” para algumas das infrações cometidas pelos usuários”. O último concurso da CBTU foi realizado em 2005 e não contemplou a área de segurança. O próximo também não prevê a criação de vagas para o setor.


O gerente de Segurança Operacional, Paulo Chaves, diz que nenhum segurança está autorizado a apreender mercadorias e, sim, encaminhar o vendedor para a saída da estação. “O problema é que a população fica contra os seguranças”, afirma. Recentemente, um grupo de ambulantes foi flagrado comercializando na estação de Joana Bezerra e teve suas mercadorias apreendidas. A atuação foi contestada pela comunidade do Coque, que improvisou um protesto para que os vendedores fossem liberados. “Precisamos acionar a polícia, que achou por bem liberar os ambulantes e produtos para evitar embates como a população”, diz Paulo Chaves. Segundo ele, quando o vendedor é flagrado mais de uma vez no sistema, é encaminhado à uma delegacia ou Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente, se for menor de idade. “Mas ninguém é preso. No outro dia, paga o bilhete e entra para vender de novo”.

Diário de Pernambuco

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